Clipping

Como estimular as crianças a gostar de artes
Clic Rbs
por
Publicado 17.07.2010

Santa Filomena é uma pequena comunidade agrícola do interior do município de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis. Da estrada, observam-se os sítios, as roças, os agricultores com seus chapéus de palha, os animais... e o som de violinos. Como assim, violinos? Na colônia? É verdade. Cerca de 50 crianças e adolescentes, quase todos filhos de produtores rurais, integram a Orquestra de Câmara São Pedro de Alcântara - projeto Educando com Música, iniciativa cultural inovadora desenvolvida há pouco mais de cinco anos na comunidade.

O resultado não poderia ser mais animador. A música clássica, hoje, faz parte da vida de meninos e meninas que, antes, poderiam não ter grandes sonhos quanto ao futuro artístico. Seguiriam, quase todos, a profissão dos pais, na lavoura. Hoje, muitos deles realmente talentosos, já alçam voos maiores e planejam uma carreira em orquestras famosas e viagens pelo mundo. Tomaram gosto pela música e pela arte.

Este exemplo mostra que, se estimuladas, as crianças podem apreciar o que há de melhor em termos de música, cinema, teatro, dança, pintura, literatura... Aos poucos, os pais descobrem que programas culturais podem ser uma opção diferente e construtiva para os filhos. Quando o estímulo vem de dentro de casa, aqs criançasdeixam o medo e a formalidade de lado.

— Minha filha entrou no projeto quando estava na primeira série, aos sete anos. Hoje, aos 12, diz que quer seguir a carreira de violinista. E para incentivá-la ainda mais, acabamos de presenteá-la com um violino novinho — conta Erani, casada com o agricultor Moacir, pais da menina Micaeli Schell, que integra a Orquestra de Câmara.

Segundo a psicopedagoga Kátia de Araújo, as atividades culturais, além de educar, conseguem tirar, pelo menos por algumas horas, as crianças da frente do videogame, do computador e da televisão, estimulando a criatividade e a sociabilidade.

— Algumas escolas, às vezes, colocam tantas regras que a criança perde a curiosidade. Dão importância às ciências exatas e raramente organizam visitas a espaços culturais — analisa Kátia.

É importante a família participar de programas ligados às artes, pois isso desenvolve o campo visual dos pequenos e faz com que conheçam melhor o mundo.

Neste domingo, os pais terão uma excelente oportunidade para colocar em prática estes ensinamentos. No Teatro Pedro Ivo (Rodovia SC-401), em Florianópolis, será apresentada a ópera O Barbeiro de Sevilha, em uma récita compacta de 50 minutos, adaptada para o público infantil. O ingresso é simbólico (R$2).

A peça está em cartaz desde quarta-feira, e faz parte da turnê da Companhia Brasileira de Ópera — o maior e mais abrangente projeto de música erudita realizado no país nos últimos anos, com direção artística do consagrado maestro John Neschling.

Música na colônia

A jovem Orquestra de Câmara de São Pedro de Alcântara — projeto Educando com Música é resultado de um sonho do oncologista Marcelo Collaço Paulo, de Florianópolis. Ele assistiu, no Uruguai, à apresentação de uma orquestra formada apenas por crianças.

— Uma maravilha, aqueles meninos e meninas tocando, olhinhos ávidos, concentrados, prontos para o futuro.

Depois, ele comprou e restaurou um centenário casarão na comunidade Santa Filomena e colocou em prática o projeto de música para as crianças.

— Fui à prefeitura e falei que gostaria que as aulas de música fizessem parte do currículo das escolas da comunidade. Projeto aceito, saí em busca dos professores (que estão lá até hoje e pertencem à Camerata de Florianópolis). Convidei para a regência o maestro Jeferson Della Rocca, um dos grandes apaixonados pelo trabalho — relembra o médico.

Após três meses de funcionamento, Collaço Paulo buscou um patrocinador — uma empresa que pudesse adotar o projeto, para que tivesse fôlego e se tornasse duradouro e multiplicador.

Hoje, ele está consolidado. São 50 crianças com idades entre sete e 15 anos. A prefeitura dá lanche e transporte. A empresa Dígitro mantém os professores. Quando terminam as aulas na escola, os ensaios continuam no anexo do casarão.

— Sou um empolgado com o que vejo naquelas crianças. Muitas, provavelmente, não serão músicos no futuro, mas com certeza a vida delas não será a mesma depois do contato com a arte — diz o médico.

A professora Juliana Schmidt, 24 anos, está no projeto desde o início. Ela destaca que, além de aprender teoria musical e tocar um instrumento — violino, violoncelo, piano ou flauta doce — a criança desenvolve o senso de responsabilidade, união, solidariedade e disciplina. Os alunos têm aulas duas vezes por semana e ensaios coletivos aos sábados, com a presença do maestro.

— Adoro as aulas de violino, estou aqui há três anos. Além de ser muito divertido, tenho a oportunidade de começar uma carreira profissional — diz Maria Luiza Kretzer, de 10 anos.

De passinho em passinho elas chegam lá

Os pezinhos sobem e descem rápido acompanhando o movimento gracioso dos braços. Aos poucos, as cerca de 15 bailarinas, que têm entre três e cinco anos, vão assimilando a coreografia ensaiada exaustivamente. A professora reforça, com delicadeza, a necessidade da concentração.

— Não quer dizer que elas serão bailarinas, mas a dança traz junto disciplina e concentração, além de contato com a música clássica — diz a professora Geovana de Oliveira.

Do lado de fora da sala, os pais acompanham atentamente cada plié e demi plié. O vendedor Rafael Amaral afirma ter notado que, em apenas três meses, a coordenação motora da filha Beatriz melhorou consideravelmente. Ao lado dele, o motorista Sidnei Carvalho compartilha as habilidades conquistadas por Júlia. A menina de quatro anos também pratica capoeira, assim como o irmão de 11 anos.

— Foi uma forma que encontramos de ajudar nossos filhos a compreenderem um universo diferente, além de gastarem muita energia.

Dois dias depois, as jovens bailarinas estariam se apresentando em um grande teatro. Os aplausos recompensaram o esforço. Um incentivo a mais para quem está apenas começando.

Incentivo que também chega por meio das palavras de uma contadora de histórias. Muitas crianças começaram a gostar de ler e escrever ao ouvir Sandra de Souza. Há 10 anos, ela bate ponto aos sábados em duas livrarias de Florianópolis. É um momento lúdico que planta uma sementinha de conhecimento.

Incentivo familiar é fundamental

Não são raras as vezes em que, por habitar desde cedo o mundo das artes, as crianças acabam descobrindo seu próprio talento, superando até mesmo as expectativas dos pais. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os irmãos Pablo e Juan Carlos Rossi, de Florianópolis.

Os pais dos garotos, Domingo e Elisete Rossi, surpreenderam-se com a precocidade dos filhos. Eles foram apresentados à música clássica ainda muito jovens, e hoje são talentos reconhecidos em todo o mundo.

A alfabetização de Pablo nas letras e na música foi simultânea. Aos seis anos, avisou aos pais que queria tocar piano, após ver fotos do instrumento em uma revista. A notícia foi encarada com certa desconfiança na família de classe média, sem qualquer tradição musical.

- Não foi fácil encontrar uma escola de música para Pablo, porque elas não aceitavam crianças não alfabetizadas — lembra Elisete.

Ao descobrir a paixão e o dom do filho — que ganhou seu primeiro concurso nacional no ano seguinte —, os casal decidiu comprar um piano em um consórcio. Hoje, ele mora em Moscou e estuda no Conservatório Tchaikovsky. Faz recitais na Europa, Estados Unidos e América Latina. Gravou seu primeiro CD aos 11 anos de idade, com obras de Chopin, Bartók, Schumann, Tchaikovsky, Rachmaninoff, Shostakovich e Nepomuceno.

O irmão Juan Carlos Rossi é um dos principais talentos da nova geração de violinistas brasileiros. Iniciou os estudos de violino aos oito anos. Está fazendo mestrado na Universidade Mozarteum de Salzburg, na Ãustria.

Elisete Rossi acredita que a música é um instrumento de valorização do ser humano, pela sua surpreendente variedade de cores, números, timbres e tonalidades, capazes de tornar o mundo mais colorido e harmonioso.

— A música proporciona às crianças externar sua criatividade através dessas particularidades, possibilitando sua inclusão social de uma maneira educativa e transformadora — explica.

Sensibilidade aguçada na sala escura

Por acreditar na importância da cultura para a formação das crianças e adolescentes, a cineasta catarinense Luiza Lins idealizou a Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, que, em junho, festejou sua 9ª edição.

Desta vez, foram mais de 24 mil espectadores, e a mostra se firma como a mais importante do gênero no país.

— Eu fui uma criança com muito acesso à arte e à cultura. E sei o quanto isso foi importante na minha formação — diz.

Luiza nasceu em Santa Catarina, mas aos sete anos mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde morou até os 25. Os pais sempre a levavam para o cinema ou ao teatro nos fins de semana.

Ela defende que a formação de uma criança não pode basear-se apenas nas disciplinas que a escola oferece. As artes (teatro, cinema, literatura, dança, música...) são canais importantes para o desenvolvimento da sensibilidade e de uma posição crítica em relação ao mundo.

Luiza tem dois filhos, uma de 19 e outro de 10 anos.

— Minha filha tinha10 anos quando lancei o festival. Incentivá-los a gostar de arte sempre foi uma preocupação na minha casa.

Na opinião da diretora da Mostra, um problema, muitas vezes, é a falta de estímulo dos pais, que não têm paciência para acompanhar os filhos nestes programas culturais infantis.

— Os pais precisam se dar conta de que a cultura é um instrumento de educação para os filhos, e que compartilhar estes momentos com as crianças, além de divertido, é muito importante para fortalecer os laços familiares.

Na opinião de Luiza, é necessário que as crianças conheçam a diversidade da cultura brasileira e aprendam a respeitá-la e a valorizá-la.

— Um filme, por exemplo, pode ser assistido sob vários aspectos, e isto é muito rico. A criança que vai ao cinema, com certeza perceberá o mundo de uma maneira mais diversificada e rica. E, assim, terá mais chances de escolha e será mais crítica no futuro — analisa a cineasta.

DICAS PARA OS PAIS

— Estimule os cinco sentidos. Criança tem um espírito investigativo muito forte e não se contenta só com o olhar.

— Não explique a obra. Deixe a criança tirar as próprias conclusões e formular perguntas a respeito do que viu. Explique à criança quanto trabalho, tempo e sentimento o artista investiu na obra, assim ela vai entender por que é tão importante apreciá-la sem estragá-la.

— Nunca force a criança a ir a algum programa cultural, ela vai associar o passeio a um castigo. Tente fazer uma propaganda positiva e dar opções para que ela escolha o destino.

— Dê preferência a galerias e peças com temas educativos que estimulem a criatividade. Exigem jogo de cintura, mas isso não deve intimidar os pais.

— Aprender a apreciar arte é como aprender a comer direito. Os vegetais têm que ser introduzidos na alimentação desde cedo, ou então a criança vai recusar sem nunca têlos provado. Fonte: psicopedagoga Kátia de Araújo